sábado, 19 de outubro de 2019

Caso Clínico IV - A dimensão do desejo

Arte: @theartidote
Toda aquela hipocrisia disfarçada se tornou a principal responsável por sua angústia. Levava consigo um asco imenso da dualidade de intenções dos sujeitos, que ora usam uns aos outros, ora amam. Ela, que presava sempre a transparência das relações, que optou tantas vezes pela clareza dos acordos, pela certezas concretas - mesmo que estas remetessem ao nada - percebeu tempos depois que não se trata de sentimentos rasos nem profundos, mas quando a angústia sentida é intensa, você inevitavelmente os trai, amando justamente a sua falta. Foi neste instante súbito que tudo lhe pareceu fazer sentido. Entendeu que a dimensão do seu desejo não era definida pela presença das coisas em si, mas pela falta delas que nela operava. Juntou sua bolsa, ergueu os ombros e seguiu adiante. E embora ainda fosse um ser desejante, reconheceu-se agora incompleta, e desta vez, não lamentou suas ausências.

- A série "Casos Clínicos" é inspirada em atendimentos psicoterapêuticos reais, garantindo o sigilo sobre a identidade e o conteúdo das sessões.

sexta-feira, 9 de agosto de 2019

O poder da terapia

Quando eu digo a vocês que o espaço da terapia é poderoso, vocês não têm noção do quanto. Esta semana ganhei de uma consulente colorida um presente pra lá de autêntico, construído através da união do seu talento e do trabalho terapêutico, onde tantas narrativas são partilhadas e ressignificadas. Talvez ela não saiba, mas presente mais bonito que a sua arte (se é que isso é possível) é a disponibilidade que ela entrega ao dividir sua história e ao mostrar suas dores e cores vibrantes. A clínica é mesmo um local sagrado. E como é bom habitar este templo!


Pintura feita à mão em aquarela sobre papel Canson

sexta-feira, 26 de julho de 2019

Caso Clínico III - Limpando os armários

Os anos passaram e em algum momento da vida aquela mulher acabou se cansando das mesmas roupas de sempre. Percebeu que, com o passar dos anos, muitas delas já não tinham utilidade. Haviam peças que não cabiam mais em seu corpo, outras que há tempos havia deixado de apreciar, algumas ainda precisavam de reparos que não sabia como fazer. Ainda assim, durante todo esse tempo, as peças sem uso permaneceram guardadas no mesmo lugar do armário. Com o acúmulo de roupas, a mulher foi perdendo espaço. Perdeu com isso também seu próprio tempo, arrumando e classificando todos os afetos contidos nas memórias das roupas guardadas. Aos finais de semana, quando entrava em alguma loja de roupas, sentia o cheiro de novidades. Peças novas por todos os lados, mais modernas e coloridas, um universo cheio de possibilidades. Mas isso a angustiava. O medo de se desfazer do passado e encontrar uma roupa nova que lhe caísse melhor causava desconforto. "Como posso me desfazer de algo que me acompanhou por tanto tempo?" - pensava. No fundo, não reagia bem a mudanças, e resistia ferozmente a elas. Sentia uma espécie de ingratidão ao pensar que roupas novas lhe cairiam melhor, era como se não as merecesse. E por medo de abrir mão do habitual, a mulher não abria espaço para o novo. Esse novo, que em seu íntimo tanto desejava, mas que jamais conseguiria bancar por temer o desconhecido.

"No presente a mente, o corpo é diferente
e o passado é uma roupa que não nos serve mais."
Belchior                                        

- A série "Casos Clínicos" é inspirada em atendimentos psicoterapêuticos reais, garantindo o sigilo sobre a identidade e o conteúdo das sessões.

quinta-feira, 11 de julho de 2019

Solidão ou Liberdade

Como você nomeia o seu momento de encontro consigo?
Domingo de manhã, não tem ninguém em casa. Você demora pra sair da cama, mas levanta e faz um café. Escolhe seu lado favorito do sofá, se aninha no cantinho dele enquanto esconde seus pés entre as almofadas. Tudo é silêncio, e você consegue escutar apenas o barulho da chuva caindo. Acompanha com os olhos os pinguinhos de água escorrendo pelo vidro da janela, e fica em dúvida se aquele esmaecido do céu é neblina ou a fumacinha quente saindo da sua caneca. E agora, sozinho, você decide se este momento se chama solidão ou liberdade.

quinta-feira, 4 de julho de 2019

Caso Clínico II - A estrangeira de si

Imagem de Brené Brow - O Poder da Vulnerabilidade
Seus olhos eram desenhados a lápis, mas nem sempre tinham cor. Fazia das dezenas de corpos estranhos que visitava seu doce lar preferido, mas era incapaz de habitar a si própria. Tornou-se estrangeira de si mesma, e suas vivências haviam lhe feito mulher dura, quase pedra. Uma pedra que, a cada sessão, escoava. Não tinha sonhos, não tinha chão, nem mesmo norte. Não carregava esperanças no bolso, as trocara há algum tempo por qualquer moeda que lhe garantisse o pó da noite. Levava consigo a pretensão de um dia ser inteira, mas por ora só conseguia ser metade. Gostava de correr contra o vento, pelo prazer de sentir algo intenso, pelo desejo de limpar sua alma. Vãs tentativas. Sentia-se perdida, sozinha no mundo, e retornava religiosamente toda semana ao consultório, trazendo com ela os cacos que haviam quebrado durante este tempo. Com eles, criamos mosaicos. E com os mosaicos, dia após dia, vem se reconhecendo e encontrando o que pensava já ter perdido: o sentido da sua existência e a razão para continuar andando.

- A série "Casos Clínicos" é inspirada em atendimentos psicoterapêuticos reais, garantindo o sigilo sobre a identidade e o conteúdo das sessões.

Escolhas

Neologismos
Fazer escolhas e responsabilizar-se ativamente pelas possíveis consequências não é um processo simples. Há sempre uma renúncia por trás de cada decisão, e cada passo dado à frente, algo fica para trás. Acaba se tornando muito fácil perder-se no desejo de esconder a passividade da “não escolha”. Porém, é preciso entender que não escolher também é uma escolha, e que as consequências disso serão igualmente de nossa responsabilidade. 

Você tem feito escolhas ou se escondido delas?

quarta-feira, 29 de maio de 2019

Será que terapia funciona?


Algumas pessoas que procuram a terapia pela primeira vez não sabem exatamente o que ela é, ou o que esperar deste processo. Muitas delas procuram o método por indicação de pessoas próximas ou de outro profissional da saúde, sem saber exatamente como isso pode ajudar. Mas afinal, quais as razões que nos fazem acreditar que a terapia realmente funciona?


Dez motivos pelos quais a terapia realmente funciona

  • Ao compartilhar um problema com o terapeuta, você passa a ter "meio" problema. Dividir sua dor auxilia no processo de alívio da carga emocional e sofrimento.

  • O vínculo desenvolvido na terapia tem poder transformador. Trabalhar nossas questões pessoais se torna muito mais fácil quando contamos com o apoio de uma relação autêntica e respeitosa. A relação terapêutico é uma relação de compreensão, suporte e desenvolvimento.

  • Aquele horário da terapia na semana é o momento onde você pode parar, observar e pensar sobre os rumos que sua vida tem tomado, ampliando assim a reflexão e ajustando as experiências de uma forma mais saudável.

  • O terapeuta representa a figura o outro, com o ponto de vista e perspectiva de uma terceira pessoa. Ele se torna facilitador no processo de reconhecer e olhar para sua própria vida de um modo diferente, lhe propõe questionamentos diferentes aos seus dilemas, lhe ajuda a perceber o universo de uma maneira diferente da que você está habituado, e que antes nem se dava conta.

  • O terapeuta é um profissional preparado com um amplo espectro de técnicas que auxiliam na compreensão do que está acontecendo com você, sendo útil na identificação daquilo que pode estar desajustado em sua vida, bem como na construção de novas direções necessárias e outros rumos possíveis.

  • A partir do seu repertório técnico, o terapeuta pode apontar suas principais questões e, ao descobri-las, lhe ajuda a pensar sobre o que fazer com elas, afim de que tais descobertas possam ser consideradas construtivas em sua vida - não limitantes.

  • O terapeuta está preparado para compreender, a partir do vínculo que vocês estabelecem, os tipo de respostas emocionais que você está habituado a repetir. Em terapia, o profissional se torna instrumento de trabalho para conseguir reconhecer paciente aquilo que você mostra na relação com ele (que geralmente é uma repetição da forma com que você interage com o mundo), podendo assim compreender melhor seus modos de se vincular e de se relacionar.

  • A relação autêntica entre você e o terapeuta se dá como uma espécie de catalisador de mudanças necessárias em sua vida, incluindo incluindo a elaboração de momentos traumáticos e situações inacabadas em relacionamentos anteriores. Isso porque o profissional possui uma sólida base teórica e técnicas capazes de identificar e trabalhar estes afetos desviantes.

  • O terapeuta, além de profissional, também é ser humano. Ele exerce muitos papéis além do de terapeuta, como paciente, como observador, até como aquele que sofre - lugar este que inevitavelmente ainda ocupa. Isso o habilita a "sentir-se em casa" em situações difíceis vividas pelo outro, podendo caminhar por histórias inóspitas e problemas emocionais vividos, no intuito de ajudar seu paciente a encontrar um caminho de equilíbrio, harmonia e até superação.

  • O processo de transformação pessoal vai além do conhecimento técnico formal do terapeuta. Além da formação acadêmica, o trabalho também inclui toda a bagagem pessoal e experiências vividas pelo profissional, o que dá muito mais autenticidade e potência à terapia.

É claro que a lista pode ser ampliada e aprofundada, mas esta foi uma tentativa de ampliar nossa visão sobre os benefícios do processo terapêutico e como ele pode ser realmente eficaz. E você, já fez terapia alguma vez? Ainda tem dúvidas sobre o processo? Vamos conversar!

terça-feira, 28 de maio de 2019

Caso Clínico I - O menino que não sentia

AMARAL, T. Tristeza do menino, 2016.
Havia dito num ar de desprezo para si mesmo: "não dói", da mesma forma que fazia quando criança em dias de vacina, na intenção de disfarçar seu medo e choro para aquelas pessoas da fila. Não suportava a ideia de deixar transparecer sua fraqueza, e optou por acreditar que a dor que hoje sentia era um tipo de vacina que o tornaria mais forte depois. E de tanto dissimular que sentia, foi ficando imune à felicidade. Isento-se dos suspiros, sorrisos, surpresas, ou qualquer outra coisa que tivesse uma duração limitada. Sentia silenciosamente o medo do fim, e tudo que possuía agora era a solidez de uma dor que conseguia esconder de todo mundo ao seu redor - menos de si próprio. Aquela mesma dor, quieta e disfarçada, que mesmo sem alguém perguntar, fazia questão de responder a todo tempo: "não dói".

- A série "Casos Clínicos" é inspirada em atendimentos psicoterapêuticos reais, garantindo o sigilo sobre a identidade e o conteúdo das sessões.

segunda-feira, 20 de maio de 2019

Baixa autoestima pode estar ligada a relacionamentos abusivos

É muito comum encontrarmos associações entre relacionamento abusivo e baixa auto estima. Uma pessoa que não possui muita segurança, atitude e confiança em si, muitas vezes acaba se relacionando com pessoas que oferecem aquilo que lhe falta. Se por um lado pode parecer um conforto e até mesmo a solução, esta relação também pode evidenciar ainda mais estas faltas, facilitando significativamente a possibilidade da relação vir a se tornar abusiva. 


Como se caracteriza uma relação abusiva?

Precisamos entender que relações abusivas são constituídas por pessoas de características comuns. Elas podem ser alegres, sedutoras, aparentar segurança e sabedoria, assim como também podem ser sensíveis, cheias de dúvidas ou pouca segurança. A questão é que há muita dificuldade em identificar perfis abusivos em potencial ou mensurar a probabilidade desse tipo de relação ser experienciada por alguém ao longo da vida. 

O que caracteriza uma relação abusiva é o fato de uma das partes de sentir inferior. O sentimento de desvalorização e intimidação provocam a sensação de dúvida sobre aquilo que sabe ou sente, e a pessoa passa a acreditar que o parceiro é maior do que ela mesma. Há muitos abusos mascarados de atitudes bem intencionadas e palavras afetuosas. O parceiro, muitas vezes, possui um discurso de suporte, de ensinamentos e até mesmo de proteção, porém costuma estar sempre certo e precisa de alguma forma invalidar, desmerecer ou finalizar e substituir por seus saberes e atitudes aquilo que antes era do outro. Porém, desta forma, acabam intimidando, conduzindo e controlando o parceiro, fazendo dele mera sombra. 


Como a autoestima se mostra dentro do relacionamento?

A autoestima de uma pessoa é desenvolvida e estruturada desde o momento do nascimento. É através dos olhares, das falas, dos gestos e do cuidado que vamos formando nossas referências e identificando qual nosso valor. Nossa família e o ambiente social são determinantes nesse processo, e é através deles que sentimos se somos importantes, desejados, se devemos reinar ou nos esconder.

Uma pessoa com auto estima fragilizada é aquela que não consegue identificar o seu real valor. Geralmente apresenta alto nível de insatisfação, seja com sua própria aparência, sua capacidade intelectual ou até mesmo com suas próprias escolhas - sejam do passado ou atuais. Tendem a possuir uma autocrítica severa, focalizando sempre as falas, eros e faltas como parte do processo de auto desvalorização. Podem apresentar dificuldade em identificar suas vitórias pessoais, uma vez que esteja presa nas coisas que poderia ter feito a mais ou de forma diferente, muitas vezes acreditando que o outro é mais valioso ou mais capaz que ela mesma. Não raras vezes, costumam apresentar mecanismos de defesa bastante desenvolvidos, como os de projeção, negação ou distorção.

Não conseguimos identificar apenas uma explicação para este conjunto de comportamentos. O resultado pode ser reflexo do excesso de julgamentos e da falta de reconhecimento do outro, como também do excesso de validação ou dos aplausos em demasia - uma espécie de condição para a pessoa conseguir compreender o seu valor.


Como identificar a autoestima fragilizada?

Existem diversas maneiras de uma autoestima se apresentar fragilizada. Porém, independente de como a fragilidade se manifesta, o ponto central é que envolve uma angústia extrema, provinda da falta do amparo existencial. Por isso, em sua grande maioria, seu discurso e seus sintomas apresentam grandes doses de desmerecimento e ao mesmo tempo a esperança de que alguém o ajude e o encontre, o resgate. Estão muitas vezes à espera (ainda que inconsciente) de um olhar acolhedor, que os reconheça e acalma a angustia. E é justamente desta forma que acabam se expondo e se colocando em situação de vulnerabilidade e dependência, fazendo com que o outro tenha poder sobre ele.

Apesar da face quieta e escondida apresentar sintomas e reações mais comuns e, por conta disso, ser mais facilmente identificada como autoestima frágil, é preciso compreender que o lado aparentemente confiante também pode expressar, muitas vezes, sua fragilidade, através de atitudes disfarçadas como sabedoria, força e coragem. Através dessa fantasia num discurso que mistura culpa e salvação, responsabilidade e ajuda,  a pessoa com baixa autoestima pode acabar se vinculando a alguém inseguro e vitimizado, e com este outro pode acabar tendo uma relação abusiva, uma história cheia de culpa e vitimização.

A relação entre uma pessoa de autoestima frágil e outra que acredita ser dominante, possuidor do poder e da verdade, pode ser tóxica e até mesmo perigosa. Em relações como esta, ao mesmo tempo que cada um provoca no outro seus medos e faltas, também encontra no outro aquilo que precisa, formando assim um ciclo de dependência emocional.


Um problema mais profundo

O fato de se estar em relação abusiva tende a ser um sinal de que a autoestima da pessoa estava fragilizada antes mesmo da relação ser concebida, ainda que não se soubesse. Isso acontece de forma muito mais frequente do que imaginamos. Herdamos uma forte cultura histórica e social que legitima, compreende e estimula diversos abusos e em todos os meios - sendo eles dentro de relações amorosas, familiares ou profissionais - mesmo que mudanças ocorram a cada época, continuamos reproduzindo esses padrões sem nos darmos conta.

O maior perigo de todos talvez seja a normalização dessa situação. Arranhar justificativas como "meu pai e minha mãe faziam isso", ou "antigamente era assim" é autorizar essa realidade e dar a ela um caráter admissível. São nestes esforços com discursos pautados na ideia de normalidade é que se tenta amenizar, compreender ou aceitar abusadores, assim como a ideia de que uma pessoa pode realmente valer mais que outra.

O costume normativo acaba sendo um grande produtor de fragilidades na autoestima pois limitam o ser, o sentir e o existir por si mesmo. Compreender e aceitar determinados contextos por considerar que eles são normais, determina e obriga muitas pessoas a se submeterem conforme as regras sociais, deixando de se perceber, de se escutar e se respeitar. Este cenário também contribui para que a outra ponta do ciclo abusador tenha seu ego reforçado, acreditando que sabem mais, são mais e que podem mais, crenças estas autorizadas e estimuladas socialmente.


Procurando ajuda

Como falamos anteriormente, não há como prever exatamente em que condições um relacionamento abusivo começa a se construir, mas temos fortes indícios que precisam ser observados sempre. Não é normal sentir-se impotente, intimidado ou desvalorizado.

Se você se encontra nesta situação, ou não tem certeza mas que se identificou com algumas destas posturas, falas ou atitudes, não se culpe. É preciso romper com esta herança histórica e social que justifica e aceita o abusador e inverte a situação, transformando o abusado na causa.

É fundamental trabalharmos a autoestima individual, como possibilidade de ressignificar seu próprio valor, consigo e com o mundo. Busque ajuda, fortaleça suas vulnerabilidades. Somente desta maneira será possível reconstruir-se de forma sólida e romper com o ciclo autodestrutivo, fazendo com que o amor próprio e a autoestima sejam restabelecidos. 

terça-feira, 14 de maio de 2019

Quando procurar terapia?

Núcleo Ampliar
Há pessoas que ainda consideram fazer terapia como coisa de maluco e não percebem que corpo e mente funcionam de forma integrada. As dores, o cansaço, a procrastinação e a incapacidade de se decidir diante dos dilemas do dia a dia podem ser sinais de que algo não está indo bem. Por isso, o mais indicado é que se converse com um terapeuta, para que possa ver se há uma necessidade real de se fazer um acompanhamento. Vale lembrar que esta é sempre uma decisão tomada em conjunto, não havendo qualquer obrigação de que a pessoa inicie o tratamento. Para o processo terapêutico fluir de maneira satisfatória e eficiente, é fundamental o desejo e a implicação do paciente.

domingo, 12 de maio de 2019

Suicídio e Comportamento Suicida

Segunda edição do curso sobre Suicídio, promovido pela Comunidade Gestáltica em Florianópolis

Neste final de semana foi realizada a segunda edição do curso de Prevenção ao Suicídio e Manejo do Comportamento Suicida, ministrado pela incrível Karina Fukumitsu, pós doutorada em Suicidologia em São Paulo. Foi uma oportunidade única de compreender melhor os comportamentos autodestrutivos frente à inabilidade de se lidar com o meio. É preciso nos despir do preconceito, dos estigmas sociais, da nossa ignorância limitante, nos vestir com o olhar mais amoroso para conseguirmos acolher o sofrimento daquele que tenta tirar a própria vida. Suicídio não é doença, mas uma solução definitiva para um problema temporário.

"Quando estamos cansados, somos atacados por ideias 
que havíamos superado há muito tempo."

                                            Friedrich Nietzsche

quarta-feira, 8 de maio de 2019

Relacionamentos e repetições

A gente não precisa se arrepender dos relacionamentos anteriores que não deram certo. Mesmo que eles tenham sido ruins, ou tenham trago experiências não muito bacanas, tem algo que é muito precioso nesta vivência dolorosa: ampliação de repertório.

O repertório faz com que aquele determinado sofrimento provindo de uma experiência ruim seja algo conhecido, o que nos dá muito mais propriedade para futuras escolhas - sejam elas amorosas ou não.

"Por que repetimos os mesmos erros"
de J.D. Nasio - Editora Zahar
Eu sei que dói. Eu também sei que a gente não deseja o sofrimento nunca. Mas já que isso se fez presente em algum momento e não conseguimos voltar ao passado afim de mudar o que aconteceu, que tal tentar se apropriar da sua própria história e não permitir que ela se repita? Porque as repetições, sim, são perigosas.

Dica de leitura: Quer saber mais sobre as repetições? Tem muita coisa legal no livro do J.-D. Nasio "Por que repetimos os mesmos erros". Alguns termos são mais técnicos, mas dá pra compreender tudo mesmo não sendo da área.

E claro, como sempre digo: faça terapia!

quinta-feira, 18 de abril de 2019

Um presente inesperado

Recebi hoje um presente da minha consulente mais antiga. Uma senhora aposentada, com uma história de vida linda, de força e luta, que resolveu dedicar seus trocados contados a comprar uma singela caixa de bombom. Na academia a gente aprende que não se pode aceitar nenhum tipo de presente de paciente. Eu aceitei. Aceitei porque ainda acredito na força da gentileza e no poder transformador do afeto. Nós duas não somos as mesmas depois desse processo terapêutico. Fomos ambas afetadas pelo encontro, crescemos juntas, ela como pessoa, eu como profissional. Queria eu poder ter dado uma caixinha de bombom à ela como forma de gratidão. Não tinha uma comigo. Dei a ela então o meu abraço, a minha disponibilidade. No fim das contas é isso que vale: o afeto contido nos atos. Sem ele, todo resto é balela, presente sem valor, teoria oca.

segunda-feira, 8 de abril de 2019

Transtornos Alimentares

Apesar de caminharmos para um mundo cada vez mais desconstruído de estereótipos e preconceitos, infelizmente ainda estamos em uma sociedade que tem o hábito de classificar as pessoas pelas questões estéticas ou impor como elas devem ser e agir para que sejam aceitas. E em meio a tantas imposições, alguns transtornos vêm se desenvolvendo cada vez mais entre adolescentes e jovens: os relacionados à alimentação.

De modo geral, são considerados transtornos alimentares tudo que é apresentado como exagero em relação à comida, tanto de uma pessoa que se priva de ingerir alimentos, como uma que come compulsivamente. No entanto, os distúrbios alimentares são bem mais complexos: normalmente eles vêm acompanhados de outros transtornos psicológicos como depressão e ansiedade, dificultando ainda mais o tratamento completo.

A pessoa que sofre desse mal apresenta baixa autoestima, perfeccionismo e uma distorção da imagem corporal, tornando-a sempre negativa. Além de aspectos biológicos e psicológicos, fatores como influência familiar, profissões que promovem a perda de peso, traumas da infância, situações estressantes e até a constante pressão cultural podem contribuir para o aparecimento de um distúrbio alimentar. Eles frequentemente aparecem durante a adolescência ou no início da idade adulta. Mulheres e meninas são muito mais propensas do que os homens a desenvolver um distúrbio alimentar, e esses índices têm aumentado a cada ano.

Transtorno alimentar é um tema que merece uma atenção especial, por isso vamos falar sobre os principais tipos, causas, sintomas e possíveis tratamentos.


Compulsão alimentar

Também chamado de TCAP, no transtorno de compulsão alimentar periódica, a pessoa ingere rapidamente grandes quantidades de alimentos em um curto espaço de tempo, e logo depois sofre com sentimentos de vergonha, culpa e desconforto. Quem apresenta este transtorno tende a comer mesmo quando está sem fome e durante todo o dia, sem refeições planejadas e não conseguindo controlar o que está comendo.

Ligada ao lado emocional, a compulsão alimentar é vista como uma tentativa de amenizar sentimentos de tristeza, medo, ansiedade ou stress por meio da comida, causando um alívio temporário. É um dos transtornos mais comuns, e a sua principal consequência é a obesidade.


Obesidade e Gordofobia

Com episódios de compulsão cada vez mais frequentes, a principal consequência é o sobrepeso e a obesidade. Junto a ela, podem existir problemas de autoestima e depressão, além de complicações como doenças cardíacas, diabetes, colesterol elevado e pressão alta.

Mas o mais complicado de se controlar para quem está acima do peso, estando saudável ou não, é o julgamento cotidiano da própria sociedade, e a gordofobia está mais presente do que você imagina. A repulsa, o preconceito, a inferiorização ou o julgamento da pessoa obesa pode não aparecer de forma escancarada, mas existe. E são essas formas de pensar que estigmatizam e submetem as pessoas a diversas formas de discriminação em nossa sociedade.


Bulimia

A bulimia é um distúrbio caracterizado por comportamentos com objetivo de evitar o ganho de peso. Podem ter episódios de compulsão alimentar, alternados por períodos de dietas restritivas, ambos associados à sensação de falta de controle em relação à comida. Depois de ingerir grandes quantidades de comida, as pessoas que sofrem desse distúrbio desenvolvem comportamentos secundários compensatórios inadequados para que o controle do peso seja mantido, como indução de vômito, consumo de diuréticos e laxantes, utilização de inibidores de apetite e até prática de atividades físicas rigorosas. 

A bulimia pode causar falta de menstruação de pelo menos 3 ciclos, queda de cabelos, perda dos dentes, inchaço nas glândulas parótidas, desmaios, alterações de humor e de peso. Geralmente as pessoas com este distúrbio estão dentro do peso normal, mas possuem distorção da própria imagem.


Anorexia

Já a anorexia pode ser compreendida como a perda de peso intencional, causada pela redução de alimentos. A pessoa com este transtorno tem uma grande distorção de imagem corporal, restrições alimentares severas e auto impostas, padrões incomuns e não saudáveis de alimentação. Também pode utilizar os mesmos métodos de expurgo da bulimia, porém com uma desnutrição agressiva, podendo levar à morte. 

Quem sofre com a anorexia possui quadros de sono e frio intensos, queda dos cabelos, pele em tom amarelado, falta de menstruação, mudanças de humor e desenvolvimento de lanugo, uma penugem fina por todo o corpo para que ele permaneça aquecido. 


Principais fatores 
O que pode contribuir para o desenvolvimento do transtorno alimentar?

  • Necessidade de controle (o corpo como reflexo da vida) 
  • Relações familiares negativas 
  • Dificuldade de comunicação entre os membros da família 
  • Ausência de limites ou limites muito rígidos 
  • Pais distantes afetivamente, com dificuldade de expressão dos afetos na família 
  • História de obesidade infantil 
  • Experiência de agressões físicas 
  • História de abuso sexual 


Sinais de alerta 
Como posso identificar um possível portador do transtorno alimentar? 

  • A pessoa está sempre fazendo dietas, principalmente restritivas?
  • Apresenta uma preocupação exagerada com seu corpo? 
  • Conto calorias dos alimentos que come ao longo do dia? 
  • Se queixa frequentemente do peso, da forma física? 
  • Teve mudança radical de hábitos alimentares sem acompanhamento profissional? 
  • Apresenta algum prejuízo entre amigos, família, vida profissional ou acadêmica? 
  • Tem apresentado menos interesse e produtividade em atividades coletivas? 
  • Deixa de socializar com os amigos ou família para, por exemplo, ir à academia? 
  • Apresenta consideráveis mudanças corporais em pouco tempo? 
  • Usa algum pretexto para não comer na frente de outras pessoas? 
  • Tem feito uso de laxantes ou diuréticos para “desinchar” ou “evacuar mais rápido”? 
  • Tem demorado mais tempo que o usual no banheiro, ou apresenta hábitos peculiares
    (por exemplo, liga o chuveiro sem tomar banho, escuta música alta, etc)? 


O que pode ser feito?

Todos os transtornos alimentares que foram citados neste artigo são todos tratáveis, e quanto mais cedo forem diagnosticados, mais chances de obter-se resultados satisfatórios. O tratamento pode incluir acompanhamento médico, nutricional, medicação e psicoterapia individual e/ou familiar. Por isso, se você estiver nesta situação ou perceber alguns destes comportamentos em amigos ou familiares, procure ajuda de um profissional.


Dica de Filme

A Netflix lançou o filme “O mínimo para viver”, que traz a anorexia juvenil como tema principal. A história é sobre Ellen, uma menina de 20 anos que já passou por diversas clínicas, mas nunca conseguiu progredir em seu tratamento. Ela mora com o pai, que está sempre ausente, a madrasta, que acredita que a culpa da sua situação é da mãe de Ellen, e a meia-irmã, que pensa que só se precisa de força de vontade para conseguir sair disso. Sem perspectivas de se livrar da doença e ter uma vida feliz e saudável, Ellen passa os dias sem esperança, somados à culpa pela morte de uma desconhecida. As coisas começam a mudar quando ela conhece Dr. Beckham e sua clínica de tratamento alternativo para transtornos alimentares. Confira o trailer


terça-feira, 26 de março de 2019

Ser terapeuta

Ser terapeuta não é ser personagem. O profissional se implica no processo, acompanha o consulente, segura a sua mão, mas em nenhum momento deixa de ser quem ele é. Gentilmente abre mão do seu protagonismo e dá espaço à dor do outro, sem deixar de lado a sua própria história. Ser terapeuta é ser gente. E como isso é poderoso.

Núcleo Ampliar

sexta-feira, 8 de março de 2019

8 de Março - Dia Internacional da Mulher

Feliz dia das mulheres, mulheres negras, das que não são brancas, das orientais e das indígenas. Das mulheres com pênis, de seios siliconados, das que não têm seios, dos seios pequenos e as dos seios grandes também. Das mulheres que não têm vagina, não têm útero, não têm ovário, das que não querem ter filhos por opção, não por falta de condição biológica. Das mulheres que amam homens, das mulheres que amam outras mulheres. Daquelas que amam homens e mulheres, não porque estão confusas, mas porque amam e só. Das mulheres prostitutas, daquelas que gostam de ser prostitutas e daquelas que estão ali por outros motivos que não nos cabe julgamento algum. Das mulheres metropolitanas, das que moram no campo, no sertão e fora da cidade também. Das mulheres ricas, das pobres, das marginalizadas, e de todas aquelas mulheres que fingimos não ver.

Por este 8 de março e por todo resto do ano, desejo resistência e luta à todas as mulheres
e suas identidades que atravessam o Ser Mulher.