sexta-feira, 26 de julho de 2019

Caso Clínico III - Limpando os armários

Os anos passaram e em algum momento da vida aquela mulher acabou se cansando das mesmas roupas de sempre. Percebeu que, com o passar dos anos, muitas delas já não tinham utilidade. Haviam peças que não cabiam mais em seu corpo, outras que há tempos havia deixado de apreciar, algumas ainda precisavam de reparos que não sabia como fazer. Ainda assim, durante todo esse tempo, as peças sem uso permaneceram guardadas no mesmo lugar do armário. Com o acúmulo de roupas, a mulher foi perdendo espaço. Perdeu com isso também seu próprio tempo, arrumando e classificando todos os afetos contidos nas memórias das roupas guardadas. Aos finais de semana, quando entrava em alguma loja de roupas, sentia o cheiro de novidades. Peças novas por todos os lados, mais modernas e coloridas, um universo cheio de possibilidades. Mas isso a angustiava. O medo de se desfazer do passado e encontrar uma roupa nova que lhe caísse melhor causava desconforto. "Como posso me desfazer de algo que me acompanhou por tanto tempo?" - pensava. No fundo, não reagia bem a mudanças, e resistia ferozmente a elas. Sentia uma espécie de ingratidão ao pensar que roupas novas lhe cairiam melhor, era como se não as merecesse. E por medo de abrir mão do habitual, a mulher não abria espaço para o novo. Esse novo, que em seu íntimo tanto desejava, mas que jamais conseguiria bancar por temer o desconhecido.

"No presente a mente, o corpo é diferente
e o passado é uma roupa que não nos serve mais."
Belchior                                        

- A série "Casos Clínicos" é inspirada em atendimentos psicoterapêuticos reais, garantindo o sigilo sobre a identidade e o conteúdo das sessões.

quinta-feira, 11 de julho de 2019

Solidão ou Liberdade

Como você nomeia o seu momento de encontro consigo?
Domingo de manhã, não tem ninguém em casa. Você demora pra sair da cama, mas levanta e faz um café. Escolhe seu lado favorito do sofá, se aninha no cantinho dele enquanto esconde seus pés entre as almofadas. Tudo é silêncio, e você consegue escutar apenas o barulho da chuva caindo. Acompanha com os olhos os pinguinhos de água escorrendo pelo vidro da janela, e fica em dúvida se aquele esmaecido do céu é neblina ou a fumacinha quente saindo da sua caneca. E agora, sozinho, você decide se este momento se chama solidão ou liberdade.

quinta-feira, 4 de julho de 2019

Caso Clínico II - A estrangeira de si

Imagem de Brené Brow - O Poder da Vulnerabilidade
Seus olhos eram desenhados a lápis, mas nem sempre tinham cor. Fazia das dezenas de corpos estranhos que visitava seu doce lar preferido, mas era incapaz de habitar a si própria. Tornou-se estrangeira de si mesma, e suas vivências haviam lhe feito mulher dura, quase pedra. Uma pedra que, a cada sessão, escoava. Não tinha sonhos, não tinha chão, nem mesmo norte. Não carregava esperanças no bolso, as trocara há algum tempo por qualquer moeda que lhe garantisse o pó da noite. Levava consigo a pretensão de um dia ser inteira, mas por ora só conseguia ser metade. Gostava de correr contra o vento, pelo prazer de sentir algo intenso, pelo desejo de limpar sua alma. Vãs tentativas. Sentia-se perdida, sozinha no mundo, e retornava religiosamente toda semana ao consultório, trazendo com ela os cacos que haviam quebrado durante este tempo. Com eles, criamos mosaicos. E com os mosaicos, dia após dia, vem se reconhecendo e encontrando o que pensava já ter perdido: o sentido da sua existência e a razão para continuar andando.

- A série "Casos Clínicos" é inspirada em atendimentos psicoterapêuticos reais, garantindo o sigilo sobre a identidade e o conteúdo das sessões.

Escolhas

Neologismos
Fazer escolhas e responsabilizar-se ativamente pelas possíveis consequências não é um processo simples. Há sempre uma renúncia por trás de cada decisão, e cada passo dado à frente, algo fica para trás. Acaba se tornando muito fácil perder-se no desejo de esconder a passividade da “não escolha”. Porém, é preciso entender que não escolher também é uma escolha, e que as consequências disso serão igualmente de nossa responsabilidade. 

Você tem feito escolhas ou se escondido delas?